A suprema virtude é como a Água.
Vivifica a todas as coisas sem se opor a nada.
Flue em lugares inferiores rejeitados por todos.
Por isso a Água representa o Dao.
Como a Água:
No permanecer, fique próximo à terra.
No sentimento, vá fundo no coração.
Na relação com os outros, seja tolerante.
Na fala, seja sincera.
No governo, seja harmoniosa.
No trabalho, seja competente.
Na ação, aguarde o momento oportuno.
A suprema virtude não disputa.
Por isso é irrepreensível.
A virtude da natureza da Água
A civilização chinesa começou às margens do Rio Amarelo. A imensa planície da bacia deste rio é fértil e gera abundância. No entanto, os chineses também o conhecem por um nome que nos revela uma outra faceta: Rio das Lamentações, cujos transbordamentos causaram muitas mortes. O desgelo das altas montanhas do oeste da China e as obstruções causadas pelos sedimentos em seu leito provocavam enchentes catastróficas que tiraram a vida de milhões de pessoas.
Foi muito difícil domar as águas deste caudaloso rio, mas Yu conseguiu e até hoje é lembrado pelo povo chinês pelo seu feito. A tradição conta que por volta do ano de 2.200 a.C., uma grande inundação do Rio Amarelo afligia a China. O imperador Yao, que reinava na época, designou Gun, seu conselheiro, para resolver o problema. Gun decidiu construir diques para conter a água. Seus diques funcionaram por um tempo determinado, mas a pressão da água era enorme, provocou o rompimento dos reservatórios e uma tragédia ainda maior.
Gun foi destituído e seu filho Yu foi chamado para suceder o pai. Ele criou um sistema de diques associado ao alargamento dos canais e também abriu novos canais fluviais que serviram para o escoamento das águas e irrigação dos campos. Assim, as águas do rio puderam cumprir com a sua natureza: descer, umedecer e nutrir a terra no seu caminho de volta ao mar.
Esta história mostra que Yu compreendia bem a natureza da água e por isso, ao invés de combatê-la, permitiu que ela manifestasse a sua virtude suprema que é justamente descer, umedecer e nutrir. Além de sua sabedoria, Yu também era admirado pela dedicação à sua missão. Dizem que, de tão focado, que nem sequer quando passava em frente de sua casa, entrava para ver os familiares.
Pelos seus méritos, foi-lhe concedido a missão de governar o Império. Ele é conhecido na cultura chinesa como “Imperador Yu, o Grande, que regulou as águas”. Yu reinou entre os anos de 2.205 a 1.523 a.C. dando início à dinastia Xia, a primeira da história da China.
Esta história me faz pensar nas águas dentro de mim: como posso regulá–las? Tal como o Imperador Yu, preciso compreender a natureza das águas internas.
Na MTC, o sangue que circula pelo nosso corpo, no interior dos vasos sanguíneos, é a água que umedece, nutre, purifica e leva a consciência às células, órgãos, vísceras e também, mais externamente, aos ossos, músculos, tendões e pele.
Na fisiologia da MTC, o órgão Coração tem a função de governar a circulação sanguínea controlando o sangue e os vasos. O órgão Baço controla o transporte do sangue evitando o seu extravasamento para fora dos vasos.
O Coração é do elemento Fogo e tem associado a ele o sentimento do entusiasmo. Esse sentimento é a emoção da alegria pura inerente à vida. É esta emoção que faz com que o movimento da circulação do sangue se processe com plenitude sem se desviar. No entanto, o Coração quando está “eufórico”, voltado para fora, tem o fogo ardente e, ao invés de promover a circulação do sangue, a consome.
O Baço é do elemento Terra e tem associado a ele o sentimento de sinceridade. A sinceridade traz estabilidade e centramento. Uma terra estável canaliza o sangue e nos torna produtivos, evitando o assoreamento e o consequente extravaso do sangue de seu leito. Quando a função do Baço é debilitada pelo excesso de pensamentos e dispersão da atenção, o seu elemento Terra também se fragmenta, levando o sangue a sair dos vasos. Esse trasbordamento é nocivo como uma enchente, ocasiona a perda do sangue e de sua função vivificante.
Para regular as águas dentro de mim, é preciso cultivar as emoções e as virtudes que harmonizam as funções do Coração e do Baço. Principalmente a da alegria associada ao Coração e a da sinceridade associada ao Baço.
Laozi nos aconselha a ser como a Água em tudo que fazemos. Desta forma as Águas internas fluirão com harmonia.